Sidoca, o ‘Senhor Triathlon’

Em matéria publicada no blog boratreinar, uma apresentação do nosso atleta Sidney Gomes, o Sidoca. Confira essa super matéria, cheia de histórias do ‘Senhor Triathlon’.

 

sidoca

 

Para início de conversa, ‘o cara’ já foi até ‘objeto’ de estudo. Estudo sobre a ligação do esporte com a longevidade. Não chega a ser surpresa quando você pergunta a ele quantas provas de triathlon ele já fez e a resposta sai com naturalidade, como se fosse algo simples: “120”. Sem contar as nove maratonas, as 21 meias e outras tantas corridas de rua, num total de 80.

sidoca6A poucas semanas de completar 73 anos, Sidney Gomes, carinhosamente chamado de Sidoca, acaba de colocar mais uma prova na conta. E um troféu também. Foi o primeiro na faixa etária no Triathlon Olímpico Internacional de Santos (1.500m natação/40K ciclismo/10K corrida).

Atleta da CE+3 desde 1996, Sidoca é farmacêutico bioquímico e por 40 anos trabalhou no Hospital Universitário Antônio Pedro (chegou a ser Diretor Administrativo) e deu aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde ingressou para estudar como bolsista carente. Uma vida dura, assim como os treinos e as provas de triathlon. Hoje, Sidoca é um exemplo para os companheiros da CE+3 e também dos atletas do Projeto Esportivo da UFF, de cuja equipe faz parte desde 2009.

Nascido no Fonseca, em Niterói, Sidoca freqüentava as peladas do bairro e confessa que, lá atrás, pensava que assim seria sua vida. Triathlon? Nem fazia idéia do que era isso.

“Comecei esportivamente no futebol no bairro onde fui criado, local de onde saíram diversos profissionais, inclusive campeões do mundo. No meio desta turma não passava de um jogador mediano. Achava que assim como comecei, terminaria a vida esportiva neste esporte em meio a grandes pelejas, churrascos, cervejadas e muitos amigos em divertidos papos”.

Mas não seria bem assim… Durante o serviço militar, Sidoca se inscreveu para as olimpíadas militares, logicamente no futebol, mas a concorrência era feroz e ele logo percebeu que não teria chances.

“Ter senso crítico é importante. Havia muitos bons jogadores, alguns até de clubes profissionais do Rio. Eu não queria voltar para a tropa, para aquela rotina de exercícios repetitivos e isso me fez optar pelo o atletismo, na modalidade de corridas curtas. A concorrência também era grande e não tinha muitas esperanças. Mas para minha surpresa, foi aí que me revelei! Era um ótimo corredor de 100, 200 e 400m e eu nem sabia. Fui selecionado para representar o 3° Regimento de Infantaria. Seria o único em três provas diferentes. Fiquei muito feliz achando que havia me encontrado no esporte e principalmente em não ter que voltar às atividades recorrentes e insuportáveis na tropa. Sem falar que, entre outras vantagens, fui dispensado de tirar plantões e outros serviços”, conta.

sidoca

Sidoca treinava toda manhã, lanchava e voltava para casa antes de meio dia.  Treinava com disciplina para manter-se entre os três melhores nos 100, 200 e 400m.

“Consegui bons tempos nestas provas. A pista era de pedrículas e carvão e davam-nos velhíssimas sapatilhas que feriam os pés. Eram de couro ressecado, com travas de prego e números variáveis, nem sempre compatíveis ao meu. Aqueles chamados ‘bons tempos’ que conseguia, hoje seriam desprezíveis”, confessa Sidoca.

A volta à vida civil foi também a volta ao futebol. A falta de incentivo e de um local para treinar corrida fez Sidoca desfilar sua categoria por quase 20 anos em diferentes times de pelada. Aos 37 anos, depois incontáveis jogos na várzea, Sidoca sentiu uma lesão na perna, uma semana antes do seu casamento. Ele ainda não sabia, mas era exatamente essa lesão que o levaria às provas de triathlon. Antes, ele faria bonito em algumas meias e maratonas.

“A lesão custou a curar e procurei outra atividade em razão de começar a ganhar peso. Conhecia alguns corredores de rua que me incentivaram e comecei a treinar com eles. Corria e não sentia a lesão. Arriscava um fuebolzinho e a dor aparecia. Aos poucos comecei a me apegar a corrida e para minha grande surpresa esqueci o futebol. Como tudo que faço, logo estava competindo. Como a maioria dos companheiros fazia visava à maratona, segui a maré. Já em 1981, fiz a 1° Corrida da Ponte e no ano seguinte a Maratona Atlântica-Boavista (3h52min). Corri até 1990 e aos 45 anos fiz minha melhor maratona, em 3h19min”, revela o então corredor.

sidoca4

Em 1990, lesionado e cansado da monotonia dos treinos de corridas, Sidoca resolver caminhar na Praia de Icaraí. Percebeu uma movimentação estranha, algo fora do normal. Neste dia, Sidoca e o triathlon se conheceram.

 

“Vi muita movimentação e ouvi gritos de incentivo. Parei para ver pessoas saindo da água, correndo, outras pedalando furiosamente numa confusão de roupas coloridas. Não entendi o que era aquilo e uma pessoa ao meu lado, que assistia, parecendo também ser um atleta, diante de minha curiosidade e grande interesse foi me explicando detalhadamente o que ocorria ali. Um triathlon. Pensei de imediato e sem dúvidas: ‘É isto o que busco e estou certo disso’. Aí tudo começou”, conta Sidoca, lembrando que a prova foi ganha pela Fernanda Keller, ainda em início de carreira. “Em segundo chegou uma atleta paulista, Liane Bereta. Fiquei tão excitado que só lembro disso”, completa.

Estava certo mesmo, tanto que dois anos depois, Sidoca fazia a primeira de suas 120 provas de triathlon desde então. Em Niterói, naturalmente. E ao lado médico, a amigo e também triatleta Paulo Di Biase.

“Prometemos mutuamente fazer a prova. Ele, experiente e preparadíssimo. Eu já ficaria satisfeito em completar a natação! E assim foi feito. Consegui terminar a prova na maior autoexaltação e ainda fui premiado com um pódio! Confesso que eu corria como o diabo! E só “, brinca Sidoca, que estreou na faixa 45/49 anos.

A partir daí foi uma sucessão de provas sem fim. Sidoca fazia todas. Ele garante que em alguns anos fez todas as provas do Campeonato Estadual e todas do Troféu Brasil, mais algumas que apareciam por perto. Em fevereiro, em Santos, Sidoca recebeu a notícia de que desde 2006 é o triatleta mais ‘velho’ em atividade no Brasil.

“Porque seria que esta ‘proeza’ não é divulgada? Certamente por que a informação leva em conta a inscrição nas federações, não por estar, de fato, participando das provas. Para ser triatleta segundo as federações, basta pagar as anuidades! É isto. Pessoas mais velhas do que eu se inscrevem numa federação, pegam a carteirinha de triatletas e a usa como bravata, ou sei lá o quê!  Não me importo. Sei que sou mais feliz e completo do que eles”, diz Sidoca.

sidoca7
Com Sérgio Maurício, companheiro de CE+3

Nem sempre foi fácil treinar e competir, Na verdade, quase sempre foi difícil. Sacrifícios e renúncias sempre fazem parte da vida de quem faz triathlon com seriedade.

“Quando o triatlo entrou na minha vida eu, naturalmente, tive dificuldades em conciliá-lo com outras atividades paralelas que fazia. Tive que sacrificar alguns hobbies, pois era preciso treinar duas vezes ao dia, descansar, trabalhar em duas ocupações, ser pai atento, chefe de família, etc. Complicou no início e custei a engrenar, mas depois as coisas se encaixaram, baseando-se naquela lei: ‘quem quer faz, basta ser prioridade”.

Nadar, pedalar e correr numa mesma prova requer orientação adequada e treinos bem orientados. Em seu primeiro ano de triathlon, Sidoca aventurou-se sozinho, sem uma bike adequada. À medida que foi conhecendo melhor o esporte, procurou orientação profissional até conhecer Carlo Eugênio Ferraro, o Neném, seu treinador desde 1996.

“Ele disse que gostaria de atrair para a equipe atletas mais velhos. Convidou-me na esperança de que eu atraísse pessoas de faixas mais altas para o esporte. Acertou em cheio, pois logo em seguida acho que várias pessoas apareceram interessadas em treinar. ‘Já que aquele coroa pode, eu também posso’. Não é assim que a vida funciona?”, diz Sidoca, que garante não ser adepto de dietas ou rigorosas restrições disso e daquilo para melhorar a performance. “Não posso justificar minha longevidade com poções especiais, dietas peculiares e selecionadas, muito menos com abstenção de prazeres. Como e bebo de tudo! Desde que tenha vontade. Só respeito as vésperas das competições. Às vezes nem estas”, conta.

Adepto das provas rápidas – no máximo a distância olímpica – Sidoca viveu uma vez a sensação de um meio iron, no Long Distance de Caiobá, em 2012. Não gostou da experiência, mas também não se arrependeu. Segundo ele, tudo tem sua hora.

“Fui convencido por um grupo de amigos, todos coroas. Resisti, mas fiz. Fiquei satisfeito por ter conseguido completar, mas não fiquei nada feliz. Detestei. Exaustão total, nenhuma curtição, tudo sofrido. Só não me arrependi porque faço o que deve ser feito e era a hora certa de fazer. No mínimo tirei várias histórias ao longo da prova. Só serviu para isto. Troféu? Já tenho muitos. Ah, e destes amigos que me incentivaram, que eram seis, só um apareceu na prova!”, conta meio decepcionado.

Sidoca ainda serve de referência para muitos novatos e mesmo para os mais velhos. Fazer parte de uma equipe como a CE+3 aumenta esta responsabilidade. Mas o triatleta confessa que o ânimo já não é mais o mesmo. Pensa em reduzir o número de provas, o que já vem fazendo. E faz um desabafo.

“Tudo tem seu tempo e hora. Nada dura para sempre. Estou esperando os sinais da vida para saber o momento certo. No triathlon, ao menos para mim, não há ‘meio termo’. Ou vai ou ‘cai de podre do galho’. Há algum tempo o bom senso tem me dado umas sacudidelas. Creio que preciso de atitudes mais objetivas. Não ando satisfeito com os novos rumos do triathlon no Rio de Janeiro. Não vou repetir as queixas. Talvez seja apenas o meu ponto de vista. O importante é continuar livre, leve e cheio de fluidos bons e positivos”, completa Sidoca.

sidoca8